Há algum tempo venho lutando -penso que solitariamente- pela preservação do que resta da ferrovia em Poços de Caldas. Os motivos são muitos. Entre outros sou neto e bisneto de ferroviários (meu bisavô italiano, analfabeto, foi trabalhador braçal de ferrovia; meu avô, telegrafista); a ferrovia representa muito para Poços de Caldas, não apenas pelo fato do Imperador Dom Pedro II ter vindo à cidade em 1896 inaugurar o Ramal de Caldas, mas pelo impacto econômico e cultural proporcionado pelos trilhos.
É quase um padrão nacional o abandono do patrimônio ferroviário, representado invariavelmente por estações esquecidas ou sub-utilizadas, vilas ferroviárias relegadas à condição de "quase-favela", sem merecer das autoridades municipais ao menos uma infraestrutura digna -e a "rua Beira-Linha" de Poços de Caldas representa bem esse descaso.
Desde de 2009 alerto para o grave risco que corre um dos mais belos e mais antigos bens históricos da cidade -os Pilares da Mogyana. E, para seguir a risca, o poder, especialmente prefeito, vice-prefeita, todos os vereadores e alguns secretários sequer ousaram responder os emails a eles enviados, pedindo um olhar sério para o logradouro, prestes a ser trucidado pela expansão imobiliária que toma conta das regiões entre o Jardim Europa e a PUC.
Como não obtive resposta das autoridades acima -talvez por medo de se comprometerem junto a um cidadão que não lhes traz qualquer benefício direto, também praxe dessa "categoria profissional", restam os caminhos alternativos. Um desses caminhos é o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico. Sou cético em relação à maioria desses conselhos, que para mim quase sempre têm sua existência amparada em meras formalidades legais. Interessante destacar, ainda, que quando interessa, autoridades sabem até o celular de qualquer cidadão e se esmeram no discurso fajuto do democrático contato com o Povo. Balela.
Em 21 de junho de 2011 estive acompanhando uma visita às obras da Thermas Antonio Carlos (assunto para breve) e aproveitei a oportunidade para entregar, em mãos, ao presidente do Conselho acima citado, o material que pode ser lido a seguir.
Se você também é um apaixonado por ferrovias e, como eu, percebe que estamos perdendo o trem -com perdão do trocadilho- de alguns bons projetos (entre os quais o trem turístico de Campinas a Poços de Caldas, que não caminha pela falta de 10 km de trilhos) e a falta de vontade da prefeitura de ao menos ouvir os cidadãos e buscar os recursos de um desses PACs do turismo ou equivalentes, faça um grande favor à nossa cidade e abrace essa causa, encaminhando o assunto para quem você considere importante e corajoso o suficiente para entender que ferrovia não é coisa de museu. E, evidentemente, lembre a eles que ano que vem teremos eleições.
Segue o material encaminhado ao Conselho:
Poços de Caldas, 21 de junho de 2011
Ao Sr.
Osmero Pelegrinelli Jr.
Presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Cultural e Turístico de Poços de Caldas
Ref.: Preservação do Patrimônio Ferroviário de Poços de Caldas
Senhor Presidente,
Como jornalista e cidadão, venho lutando pela preservação desse importante patrimônio histórico, tendo abordado a questão pelo menos uma dezena de vezes no blog Viva Poços! (http://www.vivapocos.com/), o qual editei por mais de dois anos, desde 2008. Agora, dedicando-me integralmente ao site Memória de Poços de Caldas (http://www.memoriadepocos.com.br/), vejo nesse contato com o Conselho a oportunidade de aprofundar ainda mais a busca de soluções para os fatos que passo a expor:
A Estação - Durante alguns anos, a Estação Ferroviária de Poços de Caldas, conhecida localmente como “Fepasa” -a qual insisto tratar de Estação Mogyana, considerando suas origens com o Ramal de Caldas da Cia. Mogyana, inaugurado em 1886 por Dom Pedro II- foi utilizada como sede da Guarda Municipal. O prédio, apesar de ocupado pela Municipalidade, deteriorou-se de tal forma que a simples observação da área externa era desoladora (foto abaixo).
Bastante modificada em relação ao projeto original, mas ainda assim construção importante e imponente, inclusive tombada pelos órgãos municipais de defesa do patrimônio histórico (prédio e adjacências), a Estação passou por uma reforma recente que lhe devolveu um pouco da vitalidade, mas essa aparência cai diante de uma observação mais detalhada, como a pintura de má qualidade, janelas de madeira deterioradas ou calhas de chuva danificadas (foto a seguir), entre outros, culminando com a instalação de uma porta de vidro “blindex” na entrada.
O local serve hoje à Secretaria Municipal de Turismo, que vem empregando a área contígua à plataforma como espaço de eventos, o que considero inapropriado dadas as características do prédio. Isso sem falar do uso da plataforma da Estação e seu antiquíssimo piso de ladrilho hidráulico servindo de estacionamento a viaturas da secretaria, como flagrado pelo menos duas vezes.
Para agravar o panorama, há um posto de combustíveis, de bandeira Ipiranga, que ocupa um galpão vizinho à Estação. Esse construiu uma ampla cobertura, com testada decorada com as cores da empresa petrolífera, que interfere na observação visual da estação, dependendo do ponto em que se olha o prédio. Não bastasse isso, o mesmo estabelecimento construiu, sobre o leito da ferrovia -em tese uma área pertencente ao Governo Federal- em trecho imediatamente anterior à Estação, dois muros de tijolos, criando uma área de lavagem de veículos nos fundos do posto. Ao lado desse posto surge novo empreendimento, um restaurante ora em obras, e que já construiu também o seu muro, distanciando ainda mais um eventual acesso aos trilhos.
Na foto a seguir é possível observar um desses muros, com a Estação ao fundo e os trilhos ainda visíveis no leito.
Os Pilares da Mogyana - Trata-se de um dos mais antigos patrimônios históricos de Poços de Caldas, de 1883, ainda em sua condição original (fotos abaixo), que sofre agora sério risco de se perder definitivamente por conta da expansão imobiliária que cerca o local de instalação da construção, próximo à PUC-Poços. Em 12 de abril de 2010 encaminhei um pedido de transformação do espaço em logradouro turístico-ecológico às autoridades de Poços de Caldas -incluindo o Prefeito, a Vice-Prefeita, os 12 vereadores e alguns secretários. Decorrido mais de um ano desde o envio, não houve qualquer retorno por parte dessas autoridades ao pleito, o que configura uma triste desatenção se não com o cidadão, com o tema. O assunto nunca entrou nas “ordens dos dias”, embora seja de solução simples e de baixo custo.
No momento, discute-se no estado de São Paulo a reativação das viagens de passageiros no trecho Campinas a Poços de Caldas, tendo chegado ao conhecimento do então presidente da Câmara Municipal de Poços de Caldas, ano passado, um posicionamento da Câmara Municipal de São João da Boa Vista - SP, questionando sobre a viabilidade e interesse de Poços de Caldas em participar do projeto, imagina-se nos moldes do bem sucedido trabalho empreendido em Jaguariuna –SP, que atrai até mesmo turistas estrangeiros para os passeios em composições com locomotivas a vapor. O Ministério dos Transportes, em carta à Associação Paulista de Municípios, admite a possibilidade de inclusão da linha férrea de passageiros Poços de Caldas-Campinas, em estudo nos Plano de Revitalização das Ferrovias e Plano de Resgate do Transporte Ferroviário de Passageiros, conforme descreve o material da Câmara Municipal de São João da Boa Vista – SP.
Cabe destacar que a linha férrea chega até Poços de Caldas, contemplando um belíssimo trecho de serra partindo de Águas da Prata - SP, mas com duas agravantes: a ferrovia serve apenas ao transporte de minério de bauxita, operado pela empresa CBA, do grupo Votorantim; as composições chegam somente até a Estação Bauxita, localizada justamente na CBA, uma vez que os cerca de 10 km que ligam essa estação à estação central de Poços de Caldas foram removidos (foto abaixo) por ocasião da desativação do pequeno trecho.
O mesmo vereador citado, à época presidente da Câmara Municipal, afirmou em entrevista ao Jornal de Poços do dia 29/9/10, sobre uma possível reativação do trecho: "Acho que tudo isso é muito possível", argumentando ainda que existe a possibilidade de incluir a Zona Sul da cidade no trajeto: "O trem é uma grande opção. Algo inteligente, ecológico, sustentável e viável", mas ressuscitou uma questão gravíssima: o destino dado a cerca de 10 km de trilhos, que ligavam a estação de Poços à estação Bauxita, no bairro Bortolan. Disse o legislador que, quando foi secretário de turismo, "não mediu esforços na tentativa de trabalhar esta questão. No entanto, até mesmo os trilhos, assim como os batentes e dormentes foram desviados. Muitos foram parar em casas de algumas pessoas", denunciou.
Outro local ameaçado é a denominada “rua Beira-Linha”, que abriga importante conjunto arquitetônico de residências funcionais da ferrovia, incluindo grandes moradias e casas simples, e a talvez única remanescente “Garagem de Trole” da Mogyana, uma pequena construção de enorme valor histórico. Especialistas que consultei afirmam que o conjunto arquitetônico ali visto é raríssimo, pois na maioria dos lugares foi demolido ou as edificações foram modificadas de tal forma que tornam o de Poços de Caldas uma verdadeira preciosidade.
Essa “rua”, na verdade o antigo leito da ferrovia, no trecho entre a estação central de Poços de Caldas (ora bloqueada pelos muros citados anteriormente) e as proximidades do Cemitério Municipal, é parte de um “mirabolante” projeto de transformação em avenida ou ciclovia, e correria paralela à Avenida João Pinheiro, ligando o nada a lugar nenhum e aí sim, sepultando de vez a ferrovia, se concretizado. Fotos a seguir.
São pleitos deste cidadão, portanto:
-a preservação e o cumprimento das leis de tombamento da Estação e o conjunto ferroviário adjacente, incluindo a remoção dos muros particulares que fecharam o acesso aos trilhos;
-a preservação, o tombamento e a transformação do conjunto “Pilares da Mogyana” em logradouro turístico;
-a preservação e tombamento do patrimônio arquitetônico e ferroviário existente na “rua Beira-Linha”, encerrando a ideia de transformação do leito da ferrovia em avenida ou ciclovia;
-a reativação do trecho entre a estação central de Poços de Caldas e a estação Bauxita para, num futuro próximo, ver reativado o trem de passageiros ligando Poços de Caldas ao estado de São Paulo.
Desde já agradeço a atenção dispensada e coloco-me à disposição.
Rubens Caruso Jr.
Outras imagens importantes:
Imperador Dom Pedro II em 1886, ocasião da inauguração da Estação. O Imperador aparece no centro da foto, na metade superior da imagem.
Passageiros num vagão da Cia. Mogyana –destino Poços de Caldas.
Detalhe de 1944 com a logomarca da Cia. Mogyana, localizada junto à rua Beira-Linha
Locomotiva a vapor da Cia. Mogyana, restaurada e aguardando para voltar aos trilhos na pequena Monte Alegre do Sul – SP.
Estação Bauxita, junto à CBA, em Poços de Caldas.
Como visto, muito mais que verbas, a escassez é de vontade política. Nada de novo. Chamo ao debate as autoridades, mais uma vez. Espaço aberto para que se manifestem sobre o tema. Quem sabe se unem e formem uma força tarefa como aquela que foi a BH recentemente discutir Paço Municipal. Ou, como opção, que usem a covardia do confortável silêncio.
Clique nas imagens do Memória de Poços de Caldas para ampliá-las.
2 comentários:
uma pena mesmo, perde o turismo também, lá em campos do jordão o trem faz o maior sucesso, eles poderiam seguir o exemplo, seria mais uma atração nessa bela cidade
Sou moradora a 30 anos nesse bairro, amo meu bairro, apesar de ser considerado um bairro abandonado.
Sonho tambem quem sabe um dia, voltar a escutar o barulho do trem. nao um barulho de fabrica que fica aos fundos de minha casa.
Postar um comentário
Memória de Poços de Caldas é um trabalho cultural, sem fins lucrativos, e democrático. Aqueles que quiserem se comunicar diretamente com o autor podem fazê-lo pelo email rubens.caruso@uol.com.br .