segunda-feira, 7 de março de 2011

ARY BARROSO

  
Ary Barroso foi um dos maiores compositores da música popular brasileira, autor de Aquarela do Brasil e outros grandes clássicos. Mineiro de Ubá, faleceu em 1964, deixando muitas passagens interessantes, entre elas uma com referências a Poços de Caldas, escrita por ele em 1956.
  
     "Meus primeiros dois anos de estudante correram mais ou menos tranqüilos. Até que terminou a “grana”. Começou, aí, verdadeiramente, a minha luta. Fiz-me pianista profissional. Estreei tocando em cinema, na sala de projeção do cinema Íris. Depois fiz parte da orquestra do Sebastião, tocando na sala de espera do antigo teatro Carlos Gomes. Daí passei-me para a orquestra de J. Tomás, na sala de espera do Rialto. Comecei, então, a ser conhecido como pianista de jazz. Do Rialto, transferimo-nos para o cinema Central, do grande empresário Pinkfild, que nos dava fita e palco. Foi quando meu ordenado cresceu: 28 mil réis por dia. Fazíamos bailes, ganhando eu 10 mil réis por hora!
     Depois, galguei o cimo de minha carreira, integrando a famosa Jazz Band Sul-Americana, de Romeu Silva. Era a orquestra da alta-roda. Tocávamos nos principais clubes da cidade: Country Club, Fluminense, América, Botafogo, Jóquei Clube, Tijuca, Guanabara e outros. Quando Romeu levou sua orquestra para a Europa, desliguei-me do conjunto. Fui tocar em Poços de Caldas, no Bar do Ponto, do Nico".
  
Décadas antes, o mesmo Ary publicara no jornal Vida Social, de Poços de Caldas, reproduzido abaixo na forma original:
  
"um heróe
 
Especialmente para a “Vida Social”
  
     Pela estrada da Vida caminhava eu, olhos prezos a uma luz soberba rebrilhando no fundo do horizonte. Havia já transposto serranias abruptas, vadeado correntes impetuosas, lutado contra o tempo, contra o mundo.
     Os passos, eu ainda os levava firmes.
     Aos meus ouvidos já haviam chegado notas crystalinas de estrepitosas gargalhadas, bem como os suspiros tristes e os ais magoados dos infelizes e derrotados.
     Aos meus olhos desenrolaram-se já todas as encenações possiveis do theatro da Existencia: o mal contra o bem, o ódio contra o amor, a inveja contra o valôr... a morte...
     Feriram já as minhas narinas os perfumes mais embriagadôres, mais lubricos, mais indiscretos, bem como o fodor de carne rasgada ao punhal ou varada a bala...
     Os dias quasi sempre surgiam-me claros de sol, as noites... estas vinham umas vezes banhadas de luar, enfeitadas de estrellas piscando no campo immenso do Infinito, outras vezes, escuras, mysteriosas, ameaçadoras, sem um astro ao menos accêso nas grimpas de um ceo negro e triste.
     Amedrontava-me nesta altura porque sou humano, porem, reanimava-me logo depois, sacudindo o corpo e reavivando o espirito... Havia que caminhar... caminhar sempre... retroceder nunca !
     A um mendigo que topasse, sempre abria a minha bolsa ; a um infeliz, o meu coração. Sempre admirei a justiça, sempre detestei o orgulho, irmão da ignorancia.
     Olhando para trás, eu notava que meus pés deixavam sulcos profundos na areia da estrada.
     Olhando para traz, eu via muita gente a sorrir-me, acenando-me com os lenços brancos... Essa gente boa admirava ao certo a minha coragem. Eu era para essa gente um heróe... Eu agradecia sorrindo...
     Olhando para traz, eu via também muita gente a sorrir-me, acenando-me com os punhos cerrados, brandindo no ar os punhos ameaçadoramente cerrados... Essa gente bôa admirava ao certo a minha coragem. Eu era para essa gente... um heróe e um forte...
     Agradecia sempre com um sorriso...
     E voltava os meus olhos para a luz soberba que me tentava, brilhando no fundo do horizonte... pela estrada da Vida caminhava eu.
  
Ary Barroso.
Poços, 6/2/927.
  
Na imagem, Ary Barroso é o terceiro, da esquerda para a direita. À esquerda de Ary está Nico Duarte.
  
Para saber mais, clique aqui.
  
Clique nas imagens do Memória de Poços de Caldas para ampliá-las.
  

1 comentários:

Lu Oliveira disse...

Olá,
Achei essa postagem enquanto lia assuntos sobre Ary Barroso. Muito interessante!
Abraços,
Lu Oliveira
www.luoliveiraoficial.com.br

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